Edição 2023

Na Primavera, flores de cerejeira, no Verão, o cuco.
No Outono, a lua, e no Inverno, a neve, clara, fria.
Eihei Dogen (1200-1253) 

O Festival de Música dos Capuchos 2023 é inspirado nas estações do ano, construindo um arco de quatro séculos que abre com as incontornáveis Le Quattro Stagioni, compostas por Vivaldi há 300 anos, e encerra com a estreia em Portugal de The American Four Seasons, que Philip Glass escreveu em 2009, a que se juntam os ciclos de estações de Tchaikovsky, no séc. XIX, e de Piazzolla, no séc. XX.

A sucessão das estações do ano é uma das nossas evidências da passagem do tempo e o Festival dos Capuchos 2023 apresentará concertos dedicados a diversas dimensões temporais: obras corais do tempo da fundação do Convento dos Capuchos, a Renascença; o tempo da criação em La Création du Monde de Darius Milhaud; repertório inspirado no tempo estival, como Les Nuits d’Eté de Hector Berlioz, Summer Music de Samuel Barber, Summertime de George Gershwin; o tempo do apocalipse redentor do Quatuor pour la Fin du Temps de Olivier Messiaen…

O Festival de Música dos Capuchos 2023 realiza-se, como habitualmente, no local que lhe dá o nome, o Convento dos Capuchos, e, pela primeira vez, apresenta três concertos no Teatro Municipal Joaquim Benite. Estarão presentes artistas e ensembles de renome, entre os quais se destacam, internacionalmente, “I Solisti Veneti”, a Orquestra “Franz Liszt” de Budapeste e o Quarteto Hermès de Paris, a que se juntam agrupamentos de referência nacionais como Officium Ensemble, DSCH Schostakovich Ensemble, 100 Caminhos. Entre os grandes solistas internacionais de várias gerações que marcarão presença, realce para o grand seigneur do piano Stephen Kovacevich, há mais de meio século entre a elite mundial, que nos oferece um recital com obras de Ludwig van Beethoven e Alban Berg.

Ao longo do festival, serão interpretadas obras de vários compositores portugueses de vários tempos, da Renascença à música contemporânea, com várias estreias absolutas e destaque para o concerto “Carta Branca a António Victorino d’Almeida”, assinalando os seus notáveis 70 anos de actividade artística.

É ainda de sublinhar que o Festival dos Capuchos 2023 apresentará a estreia em Portugal de obras de dois dos mais influentes compositores das últimas décadas, nomeadamente Orient & Occident (2000), do estoniano Arvo Pärt, e American Four Seasons (2009), do norte-americano Philip Glass.

O ciclo das já emblemáticas “Conversas dos Capuchos”, com curadoria e moderação de Carlos Vaz Marques, será dedicado aos centenários de três grandes nomes da literatura portuguesa: Mário Cesariny de Vasconcelos, Natália Correia e Eugénio de Andrade – curiosamente nascidos os três precisamente em 1923! 

Nesta edição de 2023, o Festival dos Capuchos inaugura o seu relevante eixo formativo, com a apresentação das Masterclasses dos Capuchos, orientadas por professores dos Conservatórios de Paris, Salzburgo e Lucerna.

Também pela primeira vez, será apresentado um conjunto conversas pré-concertos, denominadas Prelúdios dos Capuchos, com moderação de João Almeida. E o festival será ainda complementado por actividades de sensibilização ecológica e patrimonial, como uma Visita cultural ao património histórico do Convento dos Capuchos e uma Caminhada na envolvente do Convento, inserido na Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa da Caparica, que apresenta importantes valores naturais que importa conhecer e valorizar. 

Detenho-me finalmente na extraordinária música do último concerto deste Festival, o Quarteto para o Fim do Tempo, obra-prima estreada durante a 2.ª Guerra Mundial, em 1941, quando Messiaen se encontrava preso num campo nazi e compôs este manifesto de fé e de redenção, num tempo de horror que hoje ecoa com grande estrondo num tempo de guerra em que a Europa está mergulhada há mais de um ano…

O objetivo último do Festival dos Capuchos é celebrar a arte e a vida em comunidade, construir pontes de compreensão e de paz entre os povos por intermédio da magnífica linguagem universal que é a música.

O meu bem-haja a todos os que tornam possível a realização do Festival de Música dos Capuchos, começando pela Câmara Municipal de Almada e os seus serviços municipais, a Direcção-Geral das Artes, o Mecenas Principal BPI/Fundação “la Caixa”, a Companhia de Teatro de Almada, o Âmbito Cultural do El Corte Inglés, a RTP Antena 2 e, last but not least, a incansável equipa da DSCH Associação Musical responsável pela organização do Festival. 

O poema que serve de epígrafe a este texto foi escrito no séc. XIII pelo mestre zen budista Eihei Dogen. Na simplicidade aparente, mas expressiva, com que descreve a beleza das estações do ano, Dogen liga-nos à essência de elementos que se sucedem ao ritmo das estações. Dogen deu o título de Espírito Inato ao seu poema, um espírito de contemplação, descoberta e partilha que inspira esta edição de 2023 do Festival dos Capuchos.

Filipe Pinto-Ribeiro

Director Artístico do Festival de Música dos Capuchos